segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O Guardião das Borboletas


Era um final de dia como qualquer outro - pouco verde na cidade, muito barulho, muita fumaça. Pessoas e mais pessoas, de todos os tamanhos e formas, de todas as cores e cheiros, de todos pesos e medidas, ocupando apressadas todos os espaços - ainda bem que não voam, pensou a borboleta...


Como se não bastasse tudo isso, ainda era sexta feira - como se uma pequena borboleta se desse conta disso, no seu curto entendimento, no seu curtíssimo tempo de vida...

Assustada com o burburinho humano, ansiosa por um pedaço de chão verde, algumas flores ("Seria pedir muito, Deus do Céu?" - provavelmente pensava a borboleta...), levada pelo vento lá se foi aquela pequena flor alada, empurrada subterrâneo abaixo, seguindo quase inconsciente o rio de gente nas escadarias do metrô...

Suas delicadas asas em vão tentavam estabelecer um curso coerente: os deslocamentos de ar de cada ser humano apressado que passava por ela a jogavam de um lado para o outro a ponto de, por diversas vezes, a pobre borboleta precisar se resguardar pousando em uma pilastra...

De repente - assustadoramente - uma lufada de vento de tamanho inimaginável precede a chegada do que seria (na imaginação pequena de uma borboleta...) um dragão de luz!

Ele pára - luzes brilhando em seu corpo todo... - e, como se abrisse suas escamas, acolhedoramente recebe dentro de si toda aquela maré de gente!

-"Oh, que coisa incrível! Eu também quero me sentir protegida dentro desse dragão!!!" - deve ter pensado a borboleta - e sem nem mesmo articular um pensamento, prá dentro do vagão do metrô  ela se apressou a bater as asas...

Vagão cheio - fim de dia, fim de semana de trabalho. Pessoas cansadas, suadas, mal humoradas e famintas, com um longo percurso até chegarem em casa. 

As acomodadas sentadas quase cochilando - ou mexendo em seus celulares, jogando joguinhos, conversando sem dizer nada... 

As pessoas de pé se equilibrando como bem podiam, se esbarrando, invadindo os espaços umas das outras...

E a borboleta resolveu mudar de ideia ("Não gostei de ficar aqui dentro, meu lugar é lá fora, a céu aberto... Por onde será que eu saio?!...) e começa a voar, desesperada, na direção das janelas de vidros sempre fechados, atravessando um mar de rostos mal-humorados, uma tempestade prestes a acontecer...

Eis que se seguem aos rostos as mãos - antes paradas segurando com afinco a bolsa, o celular, os canos que ajudam a equilibrar os passageiros - todas afoitas... Umas querendo espantar a borboleta, outras irritadas querendo achatá-la na parede, mero inseto a incomodá-las...

E a borboleta batendo desenfreadamente suas finas asas, lutando pela vida mais que pela própria liberdade!

Então, algo completamente inusitado acontece: algo mágico!

Até aquele momento um homem se manteve quieto, apenas observando... Também havia trabalhado o dia todo, também estava suado, cansado e com fome. Estava de pé desde muitas estações antes daquela borboleta entrar no vagão e, distraído com seus pensamentos, nem percebeu quando isso aconteceu. Só se deu conta da existência dela quando viu o monte de pessoas que o cercavam saírem da sua apatia habitual e tentarem, só porque podiam, abater a pobrezinha...

O homem era magro e um pouco mais alto que a maioria, vestia uma camisa azul marinho de algodão já amarrotada pelo cansaço do dia - que havia sido bem longo e exaustivo... Nem bem notou a borboleta, assistiu a sua fuga por um tempo que foi infinito pra ela - mas que, em tempo humano, não levou mais que um lapso de segundo: sem pensar, movendo-se rápido e sem atrapalhar ninguém, atravessou o vagão lotado e, erguendo sua mão de dedos muito brancos e longos, capturou dentro dela a borboleta!

-"É o fim! Vou morrer! Acabou-se tudo prá mim!..." - deve ter pensado a pobrezinha... 

Mas não...

Enquanto durou o trajeto entre as duas estações o homem segurou no alto a mão de dedos fechados-meio-entreabertos, uma gaiola viva na qual se observava, por entre os espaços, completamente segura a frágil criatura...

Ao soar o aviso da próxima estação, lá foi ele em direção à porta - muito embora ainda demorasse muito o fim do seu trajeto...

Aberta a porta, abriu-se a sua mão e - para o espanto das poucas pessoas que prestaram atenção nessa cena mágica - a borboleta não quis ir embora: sentia-se segura e satisfeita agarrada àquela mão tão macia e compassiva, que a havia capturado em pleno voo sem causar-lhe o menor dano...

Mas o homem tinha outro caminho a seguir, diferente do caminho da borboleta... Fazendo um leve movimento para cima e para baixo com sua mão, o homem a incentivou a seguir voando, agora em outros ares.

Fechada a porta a borboleta seguiu seu caminho, guardada por Deus - que não despreza nenhuma vida. 

Nunca mais viu aquele homem que lhe salvou a vida em pleno horário de rush...

-"Que pena..." - a borboleta deve ter pensado... "Me senti tão bem, amparada por aquela mão!..."

Dentro do vagão o homem seguiu seu caminho. 

Algumas pessoas pensaram no desperdício de tempo que havia sido - na vida dele - salvar a vida daquele reles ser vivente. 

Outras, no entanto, olharam para o homem e sorriram, satisfeitas. Uma moça bonita, que depois mexeu no celular, talvez tenha fotografado algo da cena - vá saber... Um homem muito suado, carregando uma mochila nas costas, sentiu que aquele dia tinha, afinal, valido muito a pena... Uma velha senhora sentada no assento preferencial, conscientizou-se de que sempre havia algo de novo prá se ver na vida... 

Poucas, muito poucas (privilegiadas) pessoas se deram conta do momento lindo que haviam presenciado...

Meu filho chegou em casa acompanhado da irmã - minha amada Lola, testemunha ocular e narradora oculta dessa pequena história... - trazendo na mão um pouquinho do pó da borboleta...

-"Será mágico?" - pensei por um momento...

Em meio a toda essa doçura a adoçar meu coração dolorido lá se vão os dois, contar pro pai e prá irmã, fazendo troça:

-"O Ike fez o maior sucesso hoje no metrô, pai! Só faltou dar autógrafos... Uma moça ficou o tempo todo sorrindo prá ele"

-"Vamos fazer assim, Lolinha: a gente captura um vidro cheio de borboletas, sai nos horários de pico, você solta uma aqui, outra acolá: eu saio resgatando e fico famoso.. Conhecido mundialmente como o Herói das Borboletas - daí eu cobro um milhão de dólares por cada aparição em público, fico rico e todos nós nos mudamos prás Bahamas!..."

Zombando de si mesmo, meu amor, minha vida... Escondendo do mundo inteiro - menos de nós - o coração repleto de compaixão que lhe pulsa dentro do peito...

Volta e meia Deus faz isso comigo: me faz recordar os motivos de ser tão feliz...

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12 comentários:

  1. Rosa...que delícia de texto!
    Sua escrita é comovente e ternurenta!
    Bj amigo

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  2. Que gesto lindo, Rosa.

    Dedico a música "Proteção às borboletas - Benito de Paula" ao seu filho. Está no Youtube. Tem muita a ver com ele.

    www.youtube.com/watch?v=2rDlC1AufGI

    Bjs e ótima semana.

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  3. Rosa querida

    Acabei de ler seu comentário no meu blog... uffa! você sempre me emociona! compartilhamos saudades.

    Minha cocker, infelizmente, teve que ser sacrificada e como isso dói. Dói demais lembrar pois no momento a acariávamos enquanto ela lambia nossas mãos, ora a minha, ora a de meu esposo. Enquanto isso, a veterinária aplicava a injeção - a tal da eutanásia que relutamos por aceitar. Até hoje, não aceitamos mas compreendemos que há casos ser uma necessidade. Ainda me pergunto: Será??

    Rosa, que dor na alma ter que fazer isso. Até hoje choramos ao lembrar. Já se foram 3 anos e a lembrança dói como se tivesse acontecido ontem. Ela teve câncer em uma das patinhas que foi amputada, tomava remédios fortes, caros mas depois apareceu na medula e aí tomou conta rápidamente. Tantos remédios e não adiantou. Ela conseguiu viver quase 9 meses, ia na veterinária toda semana após a amputação da patinha mas chegou um momento que não teve mais jeito, quando chegou na medula, a veterinária tirou toda a nossa esperança de tratamento.

    Hoje, penso se não a fizemos sofrer além da conta tentando segurá-la conosco, sendo egoístas. Decidir pela eutanásia foi e continua sendo muito difícil para nós. Desapegar de quem amamos é complicado, né? mas acredito ser possível.

    Por enquanto, não conseguimos ainda ter outro cachorro em casa embora oportunidades não tenham faltado. E é isso, Rosa. Antes eu a percebia em casa, geralmente na cozinha ou na sala, a sentiamos em nossos pés mas a sensação foi passando depois de 1 ano. Agora, não a percebo mais conosco, foi de vez, como tem que ser. Amar com liberdade. Soltar, deixar ir...evoluir.

    Bjs

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  4. DEUS faz isso comigo também minha amiga...
    somos privilegiadas por podermos dividir nossa passagem aqui na terra com pessoas que nos acrescentam tanto.
    Que Deus ilumine sempre todos vocês.
    Beijo.

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  5. Rosa, você me fez chorar...
    Que história mais linda! Deus abençoe o Ike e toda a sua família.
    Que você se recupere logo e volte a ter a alegria de sempre.
    Estou feliz que tenha voltado a postar.
    Bjs querida

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  6. Querida Rosa!
    Mais uma vez parabéns pelos filhos maravilhosos!Você merece tê-los!
    Que lindo exemplo seu filho deu a tantas pessoas que viram isso!
    Meu filhão também aquece o meu coração com ações lindas como a do seu filho!Sou muito grata a Deus por isso!
    Desejo muita Paz,saúde e alegria em seu lar!
    Me lembrei de você ontem em minhas preces!
    Que Deus a abençoe e a sua família!
    Beijo com amor!
    Cristina Peres RJ

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    1. Obrigada por lembrar de mim nas tuas preces, querida Cristina. Tenho certeza que Deus te abençoa ainda mais por isso. Beijos.

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  7. Rosa, logo imaginei que fosse um dos seus a salvar a pequenina criatura!! Também tenho respeito a todo ser vivo, (mas confesso que baratas e pernilongos ainda não incluo nesta lista rsrsrs) e sempre que alguém tenta pisar em alguma formiguinha que seja, eu sempre lembro que são também criaturas de Deus e que elas têm o mesmo direito á vida que nós! Linda a sua narração, como sempre!!
    bjss

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    1. Obrigada, eu sempre posso contar com o teu carinho...

      Vou te confessar uma coisa: pernilongos e baratas também não conseguiram me conquistar ainda, Luci querida...

      Beijos.

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  8. Rosa, sorte a nossa que temos você como observadora e contadora de belas cenas como essa! Realmente um privilégio! Cada dia mais sua fã! Beijos

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  9. Rosinha, viu como é uma mulher afortunada?
    Criou esses seus filhos lindos e absolutamente especiais!
    Ainda por cima inventou um título fabuloso para um texto primorosamente, talentosamente, escrito!

    Chame-lhe a mão de Deus, chame-lhe o que quiser. Eu chamo-lhe bondade em estado puto!
    Beijo, muito grande, da Nina

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  10. Rosinha, este gel é uma espécie de verniz que depois de pintadas as unhas, recebem um determinado tipo de luz que o torna muito duro.
    Não descasca. Para retirar há que usar lixa, o que é um bocadinho chato.
    Beijo

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