quinta-feira, 25 de outubro de 2012

De olhos fechados...

"Há quem diga que o nosso frenético ritmo diário transformou nossa existência em uma passagem cega pela vida.
Há 6 anos, um respeitado jornal norte americano promoveu uma experiência onde um famoso violinista tocou numa estação de metrô, no horário de maior movimento pela manhã - um modesto palco para um mestre de sua profissão. Deslizando prá cima e prá baixo o arco em seu inestimável estradivários  durante 43 minutos, ele tocou algumas das mais célebres obras já compostas. Mais de mil pessoas passaram por ele: apenas 6 pararam para ouvir.


Beleza camuflada pela força da repetitiva monotonia.

Deslumbramento rejeitado pela falsa urgência da vida." *

Era um dia frio de janeiro. A estação de metrô era a da cidade de Nova York, onde - todos os dias - dezenas de músicos se apresentam em busca de trocados. O horário - 07:51 da manhã - era de rush, lá como cá... O jornal que promovia a experiência era o famoso Washington Post e o violinista não era apenas mais um: seu nome era Joshua Bell, somente um dos melhores músicos clássicos do mundo...

Tocando seu raro violino (cujo valor ultrapassa os 3 milhões de dólares) ele, apenas três dias antes dessa experiência, havia se apresentado para quase 3 mil apreciadores da boa música,  no Boston Symphony Hall, onde os assentos custavam em torno de 100 dólares por pessoa! Ou seja: ele conseguiu captar, como de costume, em uma única apresentação, 1000 dólares por minuto tocado  (e ele faz mais de 200 apresentações dessas por ano!).

Contudo,  ali - anônimo, naquela estação de metrô - arrecadou míseros 32 dólares, atirados às pressas por umas poucas pessoas.

O intuito era realizar uma experiência sobre percepção, gosto e prioridade das pessoas: em um ambiente comum, em uma hora inapropriada, percebemos beleza? Paramos para apreciá-la? Reconhecemos talento em um contexto inesperado?

A resposta obtida pelo jornal foi um sonoro "não!". Sem o contexto correto para indicar qualidade e valor, a maioria das pessoas não se dá conta da beleza e do talento bem debaixo do seu nariz...

Você já foi em um daqueles restaurantes onde, nas paredes, se expõem quadros de artistas locais, que enquanto enfeitam o ambiente, também estão à venda? Pois bem: Se você pegasse um quadro famoso em um museu, quadro este não muito conhecido do público leigo, mas cujo valor esteja na escala de milhões de dólares, removesse dele sua moldura e o expusesse no tal restaurante, ficaria chocado se alguém oferecesse por ele mais de 300 reais - e olhe lá...

Vivemos em um mundo onde a aparência conta; mais do que o material de que algo é feito, é sua apresentação que importa...

Ontem, batendo perna no shopping JK Iguatemi (o mais luxuoso onde já entrei), em meio a lojas Prada, Chanel, Dolce & Gabana, me dei conta do quanto isso é verdade: um vestido tubinho, de algodão, que eu faço por menos de 20 reais, custava ali mais de 2 mil - pela etiqueta, pelo luxo do local...

Jesus falava algo mais ou menos assim: quem tem ouvidos para ouvir, ouça; quem tem olhos para ver, veja.

Parece alegoria, mas é uma verdade muito dura de se admitir: a maior parte de nós não enxerga um palmo adiante do nariz. 

Ah, enxergamos bem o suficiente para cobiçar uma bela roupa na vitrine, caminhar do lado de um companheiro que as pessoas admirem pela beleza e status social, ter uma bonita casa. Apreciamos a nova cor de cabelo da atriz da novela, invejamos o carro do comercial de televisão que alguém que conhecemos finalmente comprou... Mas não VEMOS o que realmente mais importa: os pequenos (e as vezes mesmo os grandes) milagres do cotidiano, bem ali, na nossa cara.

Outro dia, no metrô lotado, indo a uma consulta médica no horário de maior movimento, presenciei algo muito lindo: duas senhoras idosas japonesas, daquelas bem pequenininhas, estavam totalmente amassadas no meio do bolo de gente, tentando se aproximar da porta. Chegou a estação da Liberdade, bairro oriental de São Paulo e elas não conseguiam descer. Foi então que alguns homens, trabalhadores com suas mochilas, carregando uniformes e marmitas, deixaram de lado sua indiferença e seguraram com o corpo a porta do vagão, enquanto os outros ocupantes iam se espremendo prá deixar as senhoras passarem. Ao saírem,  ambas se inclinaram em reverência quase silenciosa, dois "obrigadas" discretamente pronunciados com sorrisos nos rostos.

A gentileza venceu a rotina e - tenho certeza - todo mundo que presenciou aquela situação começou muito bem seu dia (como eu). Até agora me sinto uma privilegiada...

A beleza está o tempo todo à nossa volta:


É uma plantinha que teima em nascer em uma rachadura (como esta,cuja semente chegou pelo ar e se instalou na beirinha do tanque de lavar roupa, no meu quintal...), um sabiá ou bem-te-vi que insiste em cantar em pleno burburinho do trânsito caótico da cidade grande...

Minha Lolinha cantarolando no chuveiro, às 5:30 da madrugada, faça chuva ou faça sol, se preparando prá mais um estafante dia na faculdade e no trabalho...

Gentilezas inesperadas... Sorrisos gratuitos de estranhos no corre-corre da vida.

Pode ter certeza: neste mesmo momento, há uma melodia que estamos deixando escapar do alcance dos nossos ouvidos, há algo belo de tirar o fôlego para o qual estamos momentaneamente cegos, enquanto nos deixamos arrastar pelo cotidiano...

(* Trecho retirado de uma propaganda esportiva no canal TNT. Lindo, né?)
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9 comentários:

  1. Rosa, só vim aqui responder à sua curiosidade:
    Rosa, foi exatamente isso, não só os colegas, como chefes e família, menos meu marido que sempre me apoiou em tudo. Cansei de passar a maior parte de minha vida trancada num escritório resolvendo problemas para os outros, geralmente problemas particulares. Tive que chefe que, frequentemente me chamava pela secretária eletrônica de sua sala, em plena reunião, pedindo que ligasse para a esposa e perguntasse o que tinha de janta!!!! Certamente era uma pessoa problemática, gostava de ostentar aquilo que não era, mostrar aquilo que não comia (e a esposa idem). Numa dessas ocasiões, respondi (menti) que a esposa respondeu "apenas ovo frio!"
    Depois volto para ler seu texto, que deve estar lindo;
    Beijos

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    1. É, Helena, aposto que você, assim como eu, nunca se arrependeu. Graças a Deus a gente pôde escolher "a melhor parte" e ficar com a família, não é mesmo? Beijo.

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  2. Oi amiga... que belíssima hora para te dar um oi... acabei de chegar em casa, e vi sua visita no meu bloguinho... fico muito feliz, ai vim te retribuir, ecomo sempre, vc me faz rir muito com seus textos... mas agora vc tirou lágrimas de meus olhos... como o ser humao está ausente de tudo mesmo... e o pior, a moda agora é praticar o desapego... mas a quem??? as coisas ue eram importantes, as raizes... e se importam agora com o supérfluo... estou passando isso nesse exato momento... minha irmã, minha única e amada irmã, preferiu virar literalmente as costas a sua família, pq na sua cabeça, o que conta é esse maldito desapego, não saber de problemas da família, e até mesmo pelo status que mudou, não combina mais com o resto que somos nós... inclusive deixou de amar a Deus o nosso Criador... imagine tamanha dor que sentimos, minha mãe e eu... eu constantemente choro e sofro sua ausência,mas ela quis assim, ela quis mudar... é duro, sua única irmã, que sempre foi tão próxima, de repente deixar de existir...da sua vida... choro dia e noite... sinto que minha vida acabou.... tenho muita tristeza no peito... clro que tenho momentos felizes, e tento não mostrar o que sinto pra minha mãe... pra ela não sofrer mais do que já sofre...bom, é isso... desculpa o desabafo... beijocas e boa noite, Tathy Melo

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    1. Oh, querida Tathy, não chora não... Imagina a vida como um trajeto cheio de alegrias e dores, repleto de coisas bonitas de se ver, mas também de obstáculos, pedras, espinhos, barrancos e precipícios. A luz prá iluminar esse caminho é Deus - só através dele a gente consegue ver tudo com clareza. E, na sua infinita bondade, ele ainda nos dá companheiros que realmente se importam com a gente, como mãe, irmãos - que estão lá prá nos amparar nas quedas, nos ajudar a levantar! A sua pobre irmã, com esse desapego (como muitos outros...) está optando por fechar os olhos a tudo isso: se fazendo cega por opção, sem família por escolha. Não fique magoada demais, nem chore além da conta: ore muito por ela, caminhando às cegas por este mundo tão difícil, escolhendo caminhos errados... Deus, que é Pai misericordioso e pleno de bondade infinita, com certeza está tomando conta - ele deixa as 99 ovelhas esperando e vai atrás daquela que se perdeu, não é mesmo? Tenha fé Nele que tudo vai se ajeitar. Lembra quando Jesus dizia prá gente vigiar e orar, prá não cair em tentação? Pois então: tristeza e desespero também são tentações, e das grandes... É muito fácil se deixar levar por elas. Tenha coragem, por você, por seus filhos e principalmente por sua mãe, que deve estar sofrendo muito mais que você, não é? Sua irmã está nas mãos de Deus, mesmo que não acredite mais Nele e, depois que o chamado da dor (que visita todo mundo) se fizer ouvir na vida dela, ela vai crescer e enxergar tudo com novos olhos. Tenha fé. Um grande abraço prá você e fique com Deus.

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  3. É tia Rosa, com todos estes conceitos invertidos, com toda esta metropolização e globalização, infelizmente tempo virou um artigo de luxo caríssimo.As coisas simples que não se pode comprar quase não se tem mais valor. O amor a natureza é algo raro, mas o que há de se fazer? São cobras engolindo cobras neste mundo frenetico e para conseguir alguma coisa, vc tem que batalha muito... vamos em frente porque A arte de observar pequenas coisas estão nos loucos (Augusto Cury)

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    1. Nossa, Clicia, acho que sou louca de hospício: sempre observei pequenos detalhes que ninguém mais via... Mas acho que assim somos privilegiados, não é? Beijo!

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  4. querida Rosa, muito obrigada pelo carinho... sábias palavras bíblicas me descrevestes... beijocas, Tathy

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  5. Rosa, agora voltei porque queria ler esse texto. Ainda bem que voltei! sábias suas palavras, nos faz refletir. Você já notou que hoje quase todo mundo anda com fones de ouvidos nas ruas ou conversando ou jogando no celular? certamente essas pessoas estão alheias ao que acontece ao seu redor porque estão ligadas ao mundo! mas que mundo?
    Beijos

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    1. Exatamente! Que tanto de bom tem nessas m* de aparelhos que fazem as pessoas só viverem coladas neles? E a velha conversa, o olhar nos olhos... Sabe, tem um ditado mais ou menos assim: a gente sabe quando um relacionamento não está bom quando perdemos o gosto de conversar com essa pessoa: esse pessoal não deve ter relacionamentos... Beijo e obrigada, Helena, pela pequena "conversa"...

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